A autorização para o pagamento antecipado pelos 200 respiradores artificiais e a suposta pressão do ex-chefe da Casa Civil nesse processo de compra foram os principais assuntos abordados na acareação promovida nesta terça (9) pela comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa que investiga a aquisição desses equipamentos.
Por mais de seis horas, o ex-secretário de Estado da Saúde Helton Zeferino, a servidora Marcia Pauli, que era superintendente de gestão administrativa da Secretaria de Estado da Saúde (SES) quando da compra dos respiradores, e o ex-chefe da Casa Civil do Estado Douglas Borba ficaram posicionados de frente para os membros da CPI e foram questionados sobre as contradições apresentadas nos depoimentos que prestaram na semana passada.
Em geral, durante as manifestações, as testemunhas mantiveram o que haviam dito à CPI. Helton Zeferino e Marcia Pauli não assumiram responsabilidade pelo pagamento antecipado dos R$ 33 milhões. Também não declararam literalmente de quem seria a culpa por esse procedimento.
O ex-secretário reiterou que não autorizou o pagamento e falou em fraude em várias oportunidades, ao dizer que as notas fiscais para o pagamento à Veigamed foram emitidas como se os respiradores já tivessem sido entregues, com a assinatura de Marcia Pauli. “Não tem assinatura minha, não tem despacho meu [para o pagamento]”, afirmou o ex-secretário.
Já a servidora, em mais de uma ocasião, afirmou que Zeferino estava “faltando com a verdade”. Ela bateu na tecla que o fato de ter assinado as notas não configurava autorização para o pagamento das mesmas.
Marcia também insistiu que vários servidores, entre eles Zeferino, sabiam que as compras seriam feitas com pagamento antecipado porque essa seria uma condição mínima para efetivá-las, tendo em vista a elevada procura pelos equipamentos e insumos para combate à Covid-19. Além disso, segundo ela, há registros de compra com pagamento antecipado na Secretaria do Estado da Saúde (SES) no ano passado, quando Zeferino já era o titular da Pasta.
“Sempre foi esse o modus operandi do secretário Helton. A autorização [da ordem para o pagamento] só pode ser do secretário, não pode ser de mais ninguém”, disse a servidora.
A escolha da Veigamed
A decisão pela compra dos respiradores que nunca foram entregues também foi tema de questionamento pelos deputados. Marcia Pauli reafirmou que a decisão partiu de Helton Zeferino. Ele, por sua vez, afirmou que havia negociado com uma empresa chamada Brazilian Trade mas que, no dia seguinte, foi trocada, sem o seu consentimento, pela Veigamed. Em comum entre as duas empresas, o representante delas: Fábio Gausti.
Já Borba reafirmou que não teve nenhuma participação na escolha da Veigamed. Ele afirmou que não trocou nenhuma mensagem com Marcia entre os dias 25 de março e 1 de abril, período em que a compra dos respiradores foi fechada. A servidora, no entanto, afirmou que houve, sim, que Borba entrou em contato com ela nesse período.
Pressão de Douglas Borba
A possível participação do ex-chefe da Casa Civil na compra dos respiradores da Veigamed foi novamente abordada durante a acareação. Marcia reafirmou que houve pressão de Douglas Borba não apenas na questão dos respiradores, mas na compra de EPIs e testes rápidos.
Borba reconheceu que fazia cobranças por resolutividade nos processos, mas negou que pressionasse pela compra de um determinado produto ou fornecedor. Ele também voltou a reafirmar que não indicou Leandro Barros para a compra dos respiradores. Disse que se restringiu a repassar o contato dele para Marcia, sem interferir ou pressionar que Barros fosse escolhido para fornecer os equipamentos.
Marcia, no entanto, reiterou que o ex-chefe da Casa Civil lhe passou o contato de Leandro Barros e que foi Douglas que lhe passou a proposta de compra de respiradores pela Veigamed. O ex-chefe, entretanto, disse que não repassou à servidora uma proposta, mas, sim, um prospecto. “Assim como repassei outros, para ela [Marcia] fizesse a filtragem”, acrescentou.
O relacionamento entre Borba e Leandro Barros voltou a ser tema de questionamentos por parte dos deputados. Ambos são de Biguaçu, na Grande Florianópolis. O ex-chefe da Casa Civil ressaltou que mantém relacionamento “de convivência, típico de uma cidade de pequeno/médio porte”.
“Não dei procuração para ninguém falar em meu nome. Há vínculos de convivência, mas isso não dá o direito de fazer negócios em meu nome”, afirmou Borba.
Governador
Helton Zeferino afirmou que no dia 15 de abril, diante do não envio dos respiradores, foi até a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para informar sobre o ocorrido. Foi nesse dia que, segundo ele, o governador Carlos Moisés da Silva (PSL) foi informado, pela primeira vez, sobre o problema.
Já Douglas Borba reafirmou que só ficou sabendo do problema no dia 22, em uma reunião da qual participaram Zeferino e o governador. Os deputados consideraram estranho o fato do então chefe da Casa Civil só saber da questão sete dias depois que Moisés já havia sido comunicado.
Tensão
A acareação transcorreu com tranquilidade. Mas, por volta das 22h55, a reunião teve que ser interrompida depois que Marcia Pauli se alterou com uma resposta do ex-secretário da Saúde. Ele respondia sobre o pedido de uma reunião que Zeferino teria solicitado com Fábio Gausti para tratar da questão dos respiradores.
“Na realidade eu pedi para ela a confirmação da compra, quando os equipamentos iam chegar”, disse. Segundo Marcia, o então secretário solicitou a agenda de uma reunião para o dia 4 de abril. “Nesse dia, ele me deixou sozinha para essa reunião”, disse. “É uma pena essa falta de verdade que se repete. Vergonha isso. Pelo amor de Deus, eu não aguento mais isso”, rebateu Marcia, que começou a chorar.
A reunião foi interrompida por cinco minutos, para que Marcia se retirasse por alguns minutos. Em seguida, foi retomada normalmente.
Nova reunião
A CPI dos Respiradores volta a se reunir na próxima terça-feira (17). A comissão vai ouvir mais servidores envolvidos no processo de pagamento antecipado pelos 200 respiradores. (Marcelo Espinoza/Agência AL).