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Com rosto desconhecido, primeira escritora negra do Brasil é redescoberta

Cabelos presos, colar, um vestido aparentemente luxuoso, a pele branca. Assim esteve representada até 2012 a escritora Maria Firmina dos Reis (1822-1917), primeira romancista negra do Brasil, em uma parede da Câmara dos Vereadores de Guimarães, cidade do Maranhão (foto abaixo) onde a autora passou a maior parte de sua vida.

FOTO Régia Agostinho/BBC

Não se sabe quando nem como, mas a imagem da autora de Úrsula (1859) — hoje considerado o primeiro romance afro-brasileiro, pioneiro da literatura antiescravista no país — se confundiu com a da escritora gaúcha Maria Benedita Câmara (1853-1895), conhecida como Délia.

“Em Guimarães já sabiam que aquela não era Maria Firmina, mas, como o quadro foi doação de alguém importante da cidade, não tiraram da parede”, conta Régia Agostinho, professora da Universidade Federal do Maranhão. Em 2012, ela visitou Guimarães durante um trabalho de pesquisa para sua tese de doutorado sobre a escritora.

De volta à cidade após concluir sua tese, publicada em 2013, o quadro havia sido removido. Como Maria Firmina não deixou para trás nenhuma foto ou retrato, no entanto, o engano perdura. Mesmo hoje, algumas das primeiras imagens que aparecem em pesquisas pelo nome da escritora na internet ainda são de Délia.

Em um busto esculpido em sua homenagem, hoje exposto na Praça do Pantheon, no centro de São Luís, pouco transparece da descrição feita por ex-alunos e conhecidos de Maria Firmina: uma mulher de rosto arredondado, cabelo crespo, grisalho, cortado curto e amarrado na altura da nuca, com nariz curto e grosso.

Na estátua “o nariz é afilado, os lábios finos, cabelos lisos, amarrados em coque, em nada se parecendo a uma mulher negra ou mulata”, constata Agostinho.

Para ela, o escultor Flory Gama se preocupou antes em representar a artista como a única mulher, em meio aos bustos de tantos homens maranhenses ilustres, do que como negra. Daí os seios avantajados, ainda mais marcantes em contraste com a magreza das feições da estátua.

As confusões com a imagem de Maria Firmina espelham sua própria obra, que teve boa aceitação da crítica quando publicada, mas acabou caindo no esquecimento após sua morte. Só seria redescoberta em 1962, quando o historiador paraibano Horácio de Almeida (1896-1983) encontrou, em um sebo do Rio de Janeiro, uma edição de Úrsula, único romance da escritora e hoje considerado o primeiro livro brasileiro a se posicionar explicitamente contra a escravidão, antecedendo em mais de dez anos obras como O Navio Negreiro (1870) e A Escrava Isaura (1875).

A biografia que se sabe

Maria Firmina nasceu no dia 11 de março de 1822, na cidade de São Luís do Maranhão, filha de uma escrava alforriada e de um pai negro. Até 2018, acreditava-se que tivesse nascido em 11 de outubro de 1825 — na realidade a data de seu batismo —, de mãe branca com origem portuguesa, segundo a primeira biografia da autora, Maria Firmina – Fragmentos de uma Vida (1975), escrita pelo poeta e jornalista maranhense José Nascimento Morais Filho (1922-2009).

A descoberta da nova data de nascimento foi feita por Dilercy Aragão, professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão que hoje ocupa a cadeira de Maria Firmina na Academia Ludovicense de Letras.

O caso é um exemplo do pouco que se conhece sobre a vida da autora. Do nascimento até a publicação de Úrsula, em 1859, há várias lacunas. Sabe-se que ficou órfã e se mudou em 1830 para a casa da tia em Guimarães, onde viveu até o fim da vida. Com a parente, que tinha melhores condições financeiras, teve a oportunidade de estudar, algo raro para mulheres negras no período. (Fonte R7).

 

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